27 de maio de 2022

Dia de África - Tertúlia Literária

No  dia 25 de maio, celebrou-se o Dia de África  com mais uma tertúlia literária,  a quinta e a última deste ano letivo. 
Em discussão esteve a Literatura Africana no Feminino. 
Para iniciar a conversa, ouvimos um excerto da entrevista realizada pela jornalista Ana Daniela Soares a Paulina Chiziane do programa Café com Letras, promovida pela Biblioteca de Oeiras.  

https://youtu.be/WXoxiZuwffU   

O excerto selecionado incidiu sobre a sua obra Niketche, uma história de poligamia.  Todos os presentes consideraram que foi 
uma sessão enriquecedora e de muitas  e boas descobertas literárias. 

Na sessão contámos com a presença de três técnicos do Projeto (A)Cultura-te da Associação Caboverdiana de Sines e Santiago do Cacém e da escola compareceram treze docentes, dois alunos e duas assistentes operacionais

Como já é habitual, finalizou-se a tertúlia com chá e bolinhos. 

Ficou decidido que para a primeira tertúlia de 2022|2023, a realizar em outubro, as leituras incidirão sobre distopias. 




Opinião 

Niketche, uma história de Poligamia, de Paulina Chiziane


História muito bem conseguida. Narrada na primeira pessoa, pela voz de Rami, a protagonista é uma mulher do sul (Maputo), bonita, casada com Tony, comandante da polícia, mãe de cinco filhos e primeira-dama de um casamento polígamo.

Numa narrativa repleta de humor e de autenticidade, acompanhamos a vida de Rami que financeiramente estável, é atormentada pela constante ausência do marido. Numa sociedade onde predomina uma cultura fortemente machista e patriarca, a culpa recai nela porque não sabe manter o casamento e agarrar o marido. Apesar de saber que o marido é a causa do seu sofrimento e da sua tristeza, Rami, vira-se para o espelho e questiona: “Diz-me, espelho meu; serei eu feia? Serei eu mais azeda qua a laranja-lima? Por que é que o meu marido procura outras e me deixa aqui? O que é que as outras têm que eu não tenho? (… ) Oh, espelho meu, o que achas de mim? Devo renovar-me?
- Renova-te, sim. Mas antes, procura uma vassoura e varre o lixo que tens dentro do peito. Varre as loucuras que tens dentro da mente. Varre, varre tudo. Liberta-te. Só assim viverá a felicidade que mereces.” (p. 34)

Ao descobrir os motivos da ausência do Tony e como uma fera ferida de traição vai cobrar satisfações à sua rival e acaba por saber que afinal não tem só uma, mas quatro (Julieta, Lu, Saly e Mauá). Decidida a vingar-se, vai atrás de cada uma delas e marca uma reunião secreta em sua casa e expõe o marido perante a situação e obriga-o a assumir a poligamia conforme a tradição do país.
“Somos éguas perdidas galopando a vida, recebendo migalhas, suportando intempéries, guerreando-nos umas às outras. O tempo passa, e um dia todas seremos esquecidas. Cada uma de nós é um ramo solto, uma folha morta, ao sabor do vento – explico. Somos cinco. Unamo-nos num feixe e formemos uma mão. Cada uma de nós será um dedo, e as grandes linhas da mão a vida, o coração, a sorte, o destino e o amor. Não estaremos tão desprotegidas e poderemos segurar o leme da vida e traçar o destino.” (p. 107)
Rami vai assim, inconformada mas decidida, tomar conta desta situação e vamos acompanhando o seu crescimento interior, as suas angústias, as suas dúvidas, …

Paulina Chiziane numa escrita poética, irónica e subtil ilustra o percurso de Rami, a submissão da mulher ao regime patriarcal, a violência opressiva imposta pelas tradições, a união e a transformação da mulher, a reivindicação do seu papel de mulher e de mãe numa sociedade que encara a mulher como ser inferior, destinada a servir o homem e a sofrer em silêncio.
“Quero ser tudo: vento, peixe, gota de água, nuvem branca, qualquer coisa menos mulher. (…) Quero ser um grão de areia ao vento e dançar o meu niketche ao som das flautas de todas as brisas.” (p. 304)

Recomendo muito a leitura. Rami é uma mulher fantástica que expõe as suas fraquezas, mas também a sua força e a sua nobreza. Toda a narrativa é construída na base da sua consciência que nos faz refletir sobre a condição da mulher negra na sociedade moçambicana. É uma crítica de costumes que traduz a luta pela igualdade de género.
Com um estilo leve, sarcástico e divertido, a autora gere a narrativa a seu belo prazer e que ora encanta e diverte ora comove o leitor com as peripécias de ciúmes, de luta, de vingança, de infidelidade, mas também de amor e partilha.

Graciosa Reis


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