8 de novembro de 2011

Palavras Soltas

La profunda noche.gif (40466 bytes)
Com este espaço pretende-se dar lugar à livre expressão textual, publicando regularmente textos produzidos pelos nossos alunos.
As Minhas Memórias

Lembro-me como se fosse hoje, tempos em que tinha apenas quatro anos de idade, a correr pela casa, sem roupa, apenas com uma fralda de pano. Casa simples e modesta no Bairro de S. Paulo em Luanda, Angola.

Não sai da minha cabeça até aos dias de hoje. Recordo-me perfeitamente. Eu deitado numa cama de madeira que a minha irmã mais velha me deixara. Após algumas horas e alguns minutos comecei a ouvir barulhos estranhos. Levantei-me da cama sobressaltado a chorar. Era apenas uma criança de quatro anos. Não se tratava de conflitos do dia-a-dia, eram barulhos ensurdecedores que ninguém podia ouvir, quanto mais uma criança! Tratava-se da GUERRA em Angola, guerra esta exclusivamente pelo poder político. Na altura - eu recordo-me perfeitamente – tremia por todos os lados. Perguntei à minha irmã o que se estava a passar, mas ela só conseguiu dizer que eram os HOMENS MAUS, eu acreditei, é claro, mas não tinha aquela óptica da vida, até porque a idade que tinha na altura não dava para mais. A minha irmã fazia de tudo para não expor o sentimento de medo, de tristeza, que estava a cobrir o seu corpo e a sua mente, no entanto fazia-se de forte na minha presença, mas não conseguiu disfarçar aquele medo e a tristeza que cobria o seu rosto.

Esta guerra era somente para disputar o PODER, onde estes “homens maus” estavam dispostos a passar por cima de tudo e de todos, tirando a vida de pessoas inocentes sem dó nem piedade por causa de um miserável poder. Miserável sim, porque o mesmo estava a fazer com que o país se destruísse pouco a pouco, tirando mães e pais do mundo e deixando crianças órfãs, sem destino próprio e, assim, aumentando a miséria e a desgraça. A violência estava definitivamente instalada, o respeito pelas pessoas acabou, a “violência era gratuita”. Eu próprio presenciei um acto desumano e cruel, um dos homens que fazia parte das tropas envolvidas na guerra política tirou a vida de um menino, que naquela altura podia ter uns aninhos a mais que eu. Tudo isto porque o pai deste menino não quis obedecer às ordens, e como castigo mataram o seu filho bem diante dos seus olhos e de toda a população daquele bairro. Foi um choque para todos, mas para mim, poderei dizer que sofro e levo esta recordação na minha cabeça até ao dia de hoje. Ficou aqui o registo de um episódio marcante para toda a vida.
                                                               Cláudio Cacumba