Realizou-se no passado dia 23 de outubro, pelas 14h30m, a nossa Tertúlia, na BE, como habitual.
O tema selecionado para esta sessão foram as (Auto)Biografias. A equipa da BE apresentou inúmeras sugestões de leitura nesta área, bem como as respetivas sinopses.
Estiveram presentes 15 tertuliantes entre professores, alunos, uma assistente operacional, uma psicóloga, uma mãe e uma representante do serviço educativo e cultural do CAS.
A sessão decorreu com uma participação animada e muito diversificada, houve tempo para troca de ideias, reflexões sobre a vida e obra dos (auto)biografados, outras reflexões, também necessárias e pertinentes, sobre as nossas vidas e obras do dia a dia, vontade de ler o que o vizinho do lado tinha lido…
Para o mês de novembro (e tendo em conta a Semana da Escola), iremos ler Al Berto, o nosso patrono e, desta vez, faremos uma incursão pelos Diários do poeta.
No final, como costume, decorreu o nosso chá tradicional, proporcionando momentos de convívio muitos especiais.
Livros lidos:
Opinião sobre A Desobediente
Trata-se de mais uma importante biografia sob a chancela da Contraponto. À semelhança de outras que já li (curiosamente, ainda só no feminino) também esta revela um inegável trabalho de pesquisa e uma qualidade que dá a conhecer a relevância literária, política e cívica da biografada.
Patrícia Reis entra hábil e exemplarmente no mundo d’𝑨 𝑫𝒆𝒔𝒐𝒃𝒆𝒅𝒊𝒆𝒏𝒕𝒆 poetisa, escritora, jornalista, e feminista Maria Teresa Horta (MTH). É com admiração que percorremos as páginas escritas e descobrimos o seu percurso.
MTH desde pequenina que demonstrou coragem e coerência na luta dos seus ideais. Ao longo da sua vida sofreu desilusões que deixaram marcas profundas, como o abandono da mãe, a indiferença do pai, a incompreensão de muitos, a censura, a ameaça, a doença, a morte do marido. Cedo, captou “o sentido do proibido, daquilo que importava calar” e percebeu que ser mulher em Portugal era uma grande desvantagem. Era estar sujeita a um homem que decidisse por ela. Carecia de uma autorização para estudar, trabalhar, viajar e até para ler determinados livros. Era estar proibida de votar, de emitir opinião abertamente, não ter direito a uma conta bancária, em nome próprio, e não ter privacidade em determinados assuntos. Para fugir à pressão e à vigilância do pai, MTH decide casar e assim, conquistar a sua emancipação e uma identidade própria, isto é, reivindicar a sua feminilidade, a sua liberdade e sobretudo o seu lugar no mundo.
Inteligente, curiosa, activa, desobediente, de uma lucidez incrível, MTH incentivada pela avó (“uma mulher especial, feminista, uma alma capaz de guardar um segredo”) dedica horas à leitura e à escrita e descobre o cinema. A escrita, a poesia “era uma forma de sossego”. Os poemas “nasciam-lhe nos dedos” e neles encontraremos a sua dor, o seu desamor, a sua paixão pelo marido, “o seu muso” (Luís de Barros), a luta pelos direitos da mulher, pelo debate das questões de sexualidade, da nudez do corpo, pela libertação sexual. Este último aspecto tornou-se amplamente revelador no livro 𝑴𝒊𝒏𝒉𝒂 𝑺𝒆𝒏𝒉𝒐𝒓𝒂 𝒅𝒆 𝑴𝒊𝒎.
“ (…) não era só o erotismo, era a noção de liberdade que estava em causa. (…) Trata-se de uma poesia amorosa, sensual, erótica.” (p. 212). É óbvio que o livro foi apreendido pela PIDE.
Para ultrapassar dificuldades financeiras, MTH trabalhou como jornalista em vários jornais. Tem várias obras publicadas e foi uma das três Marias que escreveu 𝑨𝒔 𝑵𝒐𝒗𝒂𝒔 𝑪𝒂𝒓𝒕𝒂𝒔 𝑷𝒐𝒓𝒕𝒖𝒈𝒖𝒆𝒔𝒂𝒔, uma das mais importantes obras feministas portuguesas, publicada antes do 25 de abril que as levou à prisão, mas também as catapultou para o reconhecimento.
Sobre tudo isto e muito mais, Patrícia Reis, habilmente, cativa e surpreende o leitor. Escreve com elegância sobre Teresinha, uma amiga, a mulher revolucionária, libertária que viveu em tempos de opressão política. No prefácio, a autora refere que há uma relação de amizade entre as duas e acrescenta que se trata de “uma biografia com colaboração da biografada”. É um privilégio contar com o contributo das memórias ainda vivas de MTH, mas é simultaneamente uma enorme responsabilidade. Patrícia Reis fê-lo muito bem e cumpriu a sua missão.
Na revista 𝑳𝒆𝒓 (𝑽𝒆𝒓ã𝒐 2024 - 𝒏.º 171), Isabel Lucas inicia o seu artigo “Considerem o Leitor” com uma referência ao livro 𝑶 𝑷𝒓𝒂𝒛𝒆𝒓 𝒅𝒂 𝑳𝒆𝒊𝒕𝒖𝒓𝒂, de Proust, mais concretamente sobre a perdição do leitor em relação a um livro, no sentido em que tudo “o que rodeia o leitor passe a secundário face à intimidade que se cria entre ele e o objeto que lê. ( …) porque nada é mais real naquele momento do que esse encontro entre duas subjetividades: a do escritor e a do leitor.” E eu acrescentaria uma terceira, a da biografada.
Esta leitura, transformou-se, para mim, no tal “prazer divino” (epíteto de Proust) da descoberta de uma mulher que viveu e lutou intensamente.
Por tudo o que nos deu, a nós mulheres, devemos-lhe o reconhecimento e a leitura da sua vasta obra. Já li alguns, mas não ainda, o suficiente
Graciosa Reis
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