3 de fevereiro de 2022

Um Livro, Uma Comunidade - José saramago


No dia 26 de janeiro, realizou-se, na biblioteca escolar, mais uma tertúlia, a terceira deste ano letivo. Para assinalar o centenário de José Saramago cada tertuliante leu um livro à sua escolha. 
Foram realizados dois encontros devido à organização dos horários decorrente das normas de segurança, ainda em vigor, seguidas do já habitual  lanche literário composto de chá e bolinhos.

No total das duas sessões, compareceram sete docentes, três alunos, uma ex-aluna e uma assistente operacional. Este número ficou aquém do número de inscritos. Verificou-se que ler Saramago continua a ser um desafio difícil de vencer para alguns,  no entanto, foi ainda assim uma vitória agradável para outros que prometeram ler mais obras.
A conversa foi muito interessante. Falou-se  das obras lidas, evidentemente, mas também do percurso literário do autor. Foram sugeridas muitas mais leituras para além das obras apresentadas. 
No final, ficou decidido que para a próxima tertúlia, a realizar em março, na semana da leitura, o autor selecionado é Tiago Salazar, uma vez que está prevista a sua presença na biblioteca para o dia 8. 




Livros lidos ... 





Opinião 



Objecto Quase integra seis contos breves onde as personagens são, na sua maioria, “coisificadas”, ou melhor dizendo, os objectos são humanizados. Esta característica é evidente nos contos “Cadeira” e “Embargo”. Outros há em que a fantasia, o surreal, o absurdo tomam conta da história e deparamo-nos com uma “animalização” do homem. Em todos, é evidente o tom sarcástico e a crítica à sociedade capitalista, à necessidade do ser humano em possuir bens e à sua dependência.
Ao longo dos seis contos, o autor conduz-nos por caminhos diversos, e que recorrendo a situações surreais, retrata o pessimismo, a depressão, a dependência e a imperfeição do ser humano.
A escrita destes seis contos revela o poder de observação, a capacidade de esmiuçar factos, o sentido crítico e bem-humorado do autor. Os seus textos, apesar de curtos, são autênticos trabalhos literários: descrições detalhadas; metáforas espantosas; histórias criativas repletas de ironia e de intensidade.

Por exemplo, no primeiro conto, “Cadeira”, fica-se pela descrição detalhada e irónica da cadeira que foi atacada pelo bicho da madeira e que vai destruindo o interior da perna que fará cair o homem que nela se senta. Facilmente percebemos que o episódio relata a queda de Salazar. Trata-se se uma alegoria ao fim da ditadura e do sistema vigente. A cadeira representa o poder. Se esta se torna decrépita, insegura, então o poder está decadente e deve ser substituído. É notável a descrição do momento em que o homem se sentou na cadeira, se recostou e finalmente caiu. Por vezes, parece que o narrador se desvia do assunto, tecendo outras histórias, outros factos, mas se o faz é para tornar mais intensa e credível a descrição sem nunca perder o fio condutor da narrativa em curso.

Gostei de todos os contos, mas a minha preferência recai em “Coisas”, o quarto conto. Classificá-lo-ia como uma distopia. As pessoas são hierarquizadas por ordem alfabética (têm a letra desenhada na mão), de acordo com a sua posição social. Tudo é absurdo, as coisas começam a ter reacções humanas, começam a tomar consciência da sua situação: objectos (portas, jarros, marcos do correio, degraus,…) desaparecem misteriosamente, paredes e prédios desabam, relógios deixam de funcionar, sofás têm febre, pessoas ficam nuas, cidades inteiras desaparecem …
Saramago põe em destaque a paranóia individual, mas sobretudo a colectiva, ele anula toda a materialidade e põe a nu o homem para o confrontar com a sua existência, com a sociedade em que se insere e vive de acordo com o que lhe é ditado. O homem torna-se objecto perante a inoperância e tirania do poder. O conto termina com uma réstia de esperança, de mudança porque, afinal, há sempre alguém que luta pela diferença.

Nestes textos, como em toda a obra, Saramago é exímio na crítica social.

Graciosa Reis




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