6 de dezembro de 2019

Três Cartas da Memória das Índias, de Al Berto.

 



OPINIÃO

Reler. Ler de novo. Sempre. O Medo de Al Berto faz parte daqueles livros que me acompanham sempre. De tempos a tempos, volto a ele quer por questões de trabalho (planificação de actividades) quer por gosto pessoal. A escolha, desta vez, recaiu sobre as Três Cartas da Memória das Índias.


Estes três textos remetem o leitor para a época das navegações portuguesas, (“As Índias por descobrir”) terra longínqua, possível destino de Al Berto que não sabe muito bem qual será o seu destino. Para ele, o importante é mesmo partir, fugir, procurar um lugar onde as fronteiras se esbatam…


“não sei o que me espera longe daqui
nem onde pararei de viajar
sei que devo partir de todos os lugares onde chegar
se é que alguma vez vou chegar a algum lugar”


Os destinatários destas três cartas imaginárias (ou não?) são, respectivamente, a mulher, o pai e um amigo.
À primeira, o poeta atribuiu o nome “Carta da árvore triste”; à segunda, “Carta da região mais fértil” e à terceira, “Carta da flor do sol”. Em intertextualidade com um livro de Pyrard de Laval “Tradução e descrição dos animais, árvores e frutos das Índias Orientais”, o poeta explica-nos, assim, a razão pela atribuição destes nomes às cartas.


Na carta à mulher, o sujeito poético refere o seu cansaço em relação à vida comum, ao quotidiano, à rotina “o dia instalar-se-á igual aos outros milhares de dias” e refere também a existência de um amigo cuja amizade não consegue explicar.


Na carta ao pai, o sujeito poético aborda o longo tempo de silêncio existente entre ambos (“há muito que o silêncio se fez entre nós”) e apresenta as razões da sua partida: a monotonia do amor conjugal, a insistência da mulher na realização das tarefas caseiras,


“não sei se o pai poderá compreender esta velocidade
aqui tudo se tornou dia após dia mais doloroso
minha mulher anda atarefadíssima com o arranjo da casa
parece que mais nada existe para ela”


e o encontro de “outras compensações/ a amizade segura de uma amigo”


Finalmente, a carta a um amigo, verdadeira razão do abandono, da partida “queria dizer-te por que parto/ por que amo”. O desejo, a procura insaciável do “tu”, o medo da ausência, da solidão justificam a partida, o isolamento


“estou definitivamente só
estou preparado para o grande isolamento da noite
para o eterno anonimato da morte
mas perdi o medo
a loucura assola-me
preparo a última viagem às Índias imaginadas”


(Re) Leiam Al Berto. Eu, adoro a sua escrita… e vou (re)lê-lo sempre.


Graciosa Reis


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